Então eu paro de andar e me sento no ponto de ônibus.
Olho para a rua, mas os guarda-chuvas e as pessoas de pé não permitem que eu enxergue qual ônibus está chegando, me levanto. Vejo que não há ninguém sentado, todos estão de pé para poder ver qual ônibus está chegando, ficando nas pontas dos pés e esticando seus pescoços por cima dos guarda-chuvas.
Sento-me novamente.
Começo a observar as pessoas... Trabalham o dia todo e depois de toda a jornada não se dão nem o direito de sentar. Ficam em pé no ponto, para depois ficarem em pé no ônibus lotado, para finalmente poderem se sentar no sofá de casa para ver a novela, o ópio das donas de casa...
As pessoas acham que gostam de novela. Do glamour, da riqueza, do drama, da emoção, da beleza, da fantasia, da alegria e da tristeza, e de outras coisas que também acham que não têm nas próprias vidas. É um engano. Debaixo do nariz global dessas pessoas está o que elas realmente gostam, o sofá.
Depois de 8 horas de trabalho em que não se pode perder um segundo sequer, as pessoas dedicam aquela hora à perda de tempo, à inutilidade, ao "programa em família", ao emburrecimento voluntário que, inconscientemente, é um pedido de um pedacinho do nosso cérebro que com o passar dos dias vai se atrofiando e caducando contra sua vontade. Tal pedacinho chama-se consciência.
É isso mesmo, aquela que quando nascemos ocupa quase todo o cérebro, e à medida que vamos crescendo ela vai diminuindo, sendo que em alguns casos ela some, e em outros ela volta a crescer e passa a oscilar até a hora da nossa morte. A mesma que vai sendo turvada e moldada pelos valores platônicos e aristotélicos que vão sendo passados de geração a geração pelo papai e pela mamãe e pela tia da escolinha e pelo professor da universidade, aquela que às vezes nos impede e outras vezes nos motiva.
Pois é, é esse pedacinho que pede que repousemos nossas bundas em uma superfície macia, fofinha, no calor e no conforto de nossos lares para o corpo poder descansar.
Isso pode até parecer uma coisa boa, mas não é. Quando tal consciência age inconscientemente é sinal de que ela já está muito fraca, cedendo aos medos do fantástico show da vida.
As pessoas se privam de sentar, pois têm medo de perder o ônibus. As pessoas têm medo de perder o ônibus, pois têm medo de chegar tarde em casa e aí pegam um ônibus lotado, se privando, novamente, de sentar. As pessoas têm medo de chegar tarde em casa por ter medo de ser assaltadas,ou pior, por ter medo de perder a novela, e as pessoas tem medo de perder a novela por terem medo de perder tudo aquilo que acham que não têm em suas próprias vidas...
E assim a falta de consciência nos priva de sentar, de tomar aquele cafezinho, ou cervejinha, com os amigos e de esperar pacificamente pelo ônibus que nos levará para casa.
Quem sabe algum dia nossa consciência volte a nos privar até mesmo do uso dos guarda-chuvas, que volte a nos privar do medo de pegar um resfriado, ou de abrir os braços e sorrir com as gotas tocando o rosto e entrando pela boca, ou de se preocupar com que os outros estariam pensando enquanto estivéssemos fazendo tudo isso...