quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Aquela manhã comum

_O ônibus era o mesmo, 857P, do qual João sempre descia no mesmo ponto, o da Ana Rosa. Houve um tempo em que João apertava despreocupadamente o botão de parada, e percebia que alguém já o fizera antes, fazendo com que o seu aperto fosse em vão, desnecessário. Com o decorrer da rotina e dos apertos vãos João simplesmente deixou de se preocupar em apertar o botão.
_Aquela estava sendo uma manhã comum, despertar, levantar, café... foi então que o ônibus não parou no ponto da Ana Rosa. João e tantas outras pessoas já estavam posicionados em frente à porta para descer ao abrir da mesma, que não abriu. E o 857 simplesmente passou direto.
_Houve um grande rebuliço. As pessoas começaram a reclamar com o motorista, com o cobrador, que aquilo era um absurdo, que ia ter que andar, que perderia a 1a aula, que chegaria atrasado no trabalho e teria que se explicar com o chefe... foi quando o motorista falou: "Ninguém apertou o botão! Se não aperta o botão a luzinha não acende e o treco não apita, e se a luzinha não acende e o treco não apita eu não paro o ônibus!" Naquele momento houve um silêncio geral e todos ficaram ali, cada um, pensando que realmente não apertara o botão, nem vira a luzinha acender nem ouvira o treco apitar.
_Naquela manhã comum, contra todas as probabilidades, todos os passageiros que iam descer no ponto da Ana Rosa resolveram não se preocupar com o botão e, assim como João, se abstiveram de apertá-lo, esperando que alguma outra pessoa o fizesse.
_Depois de alguns segundos de reflexão um passageiro rompeu o silêncio do interior do ônibus e falou para o motorista: "Mesmo assim, todos os dias a gente desce nesse ponto! O senhor poderia ter um pouco de bom senso e ter parado na Ana Rosa, né?!" e assim o rebuliço recomeçou e foi aumentando e aumentando...
_Com a quebra da rotina e vendo uma certa comicidade no fato, os passageiros que desceriam no ponto seguinte ao da Ana Rosa ficaram tão entretidos que esqueceram, por sua vez, de apertar o botão de parada. Novamente, contra todas as probabilidades, nenhuma alma viva que desceria naquele ponto apertou o importante quadrado laranja. Foi então que todos viraram a cabeça e acompanharam o ponto seguinte ao da Ana Rosa passar pelas janelas e o cômico tornou-se desespero. O estresse acumulado de ter que andar a distância de um ponto foi multiplicado por 3, pois os primeiros passageiros agora teriam que andar a distância de 2 pontos, e os segundos a distância de 1 somando assim o incrível estresse de 3 pontos no geral.
_Foi uma guerra...

_Depois do "trágico episódio do 857", como foi chamado o acontecimento pelas empresas de tranporte público urbano, micro-câmeras foram instaladas no interior dos ônibus para que se pudesse monitorar os passageiros e suas respectivas paradas. Fiscais trabalham secretamente, durante todo e expediente dos ônibus, em uma sala subterrânea na sede do Detran paulista evitando que tamanha tragédia aconteça novamente.
_O fato é negado por todas as empresas de ônibus e pela prefeitura de São Paulo, o mesmo não foi noticiado nem mesmo no Jornal Hoje, no entanto quando os Fiscais do Transporte e do Bem-estar dos Passageiros Paulistanos (FTBePP) pedem aumento de salário (que, diga-se de passagem, já é altíssimo devido a confidencialidade de seus empregos) podemos ver o impacto orçamentário refletido no aumento da passagem dos ônibus, que sempre são mal explicados e mal justificados para encobrir o fato.
_Jõao, o único sobrevivente do "trágico episódio do 857" foi chamado para ser o diretor geral do FTBePP.... e nunca mais deixou de apertar um botão.





Escrevo aqui apenas um adendo ao prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab.
Metrô não tem ponto e nem botão de parada!

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